© Ilusões Urbanas
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Surpreendeu-se com aquele olhar frontal e sorridente de Liang. Um farol no meio daqueles vultos ondulantes. Frágil, singelo, simples. De uma simplicidade intensa e poderosa. Um farol. Dois pontos de luz. Uma luz negra e hipnotizante. Nunca Liang havia olhado directamente para ele. Nunca Liang havia levantado os seus olhos para ele. Nunca. Nem na loja do tio-avô, nem na sua imaginação.
Mas agora, avançando entre a multidão, olhava-o bem nos olhos e sorria-lhe. Quando chegou junto dele baixou o olhar, continuando contudo a sorrir, com a cabeça bem levantada. A sua voz, também baixa e suave, parecia ouvir-se distintamente, sobrepondo-se ao ruído caótico daqueles milhares de vozes.
"O meu avó gostaria de ser honrado com a sua presença na nossa casa", sussurrou o sorriso de Liang. E ele não via nada mais a não ser aquele sorriso. As próprias palavras do convite eram um sorriso, de aroma impossível, indizível, impondo silêncio e perplexidade.
Ouviu o silêncio do seu próprio aceno como se não soubesse falar, como se soubesse que quaisquer palavras seriam supérfluas e se diluiriam naquele sorriso. Um sorriso que era tudo e tudo absorvia. Liang viu a satisfação dele, adivinhando a sua concordância. "Às oito," disse, "às oito da noite na loja de meu avô." Pela primeira vez naquele dia dobrou-se perante ele, fazendo uma vénia e desaparecendo entre dezenas de outros sorrisos. Sorrisos de alegria aos quais faltava, no entanto, a frescura mágica do rosto de Liang.
Nem sequer se questionou sobre a coincidência de encontrar Liang no meio da multidão. Nem sequer estranhou o convite. Não pensou sequer em todas aquelas estranhas coincidências. Aceitou-as como se aquele fosse o seu destino. Mais uma vez, deixava-se levar pela corrente...
Não sabia o que o futuro lhe traria, nem queria saber. Queria apenas lembrar o sorriso de Liang, um sorriso que ainda lhe enchia os olhos e o pensamento.
Dezenas e dezenas de panchões rebentavam ruidosamente pelas ruas, estrelejando, iluminando a felicidade que ia nos rostos, criando uma luz mágica que anunciava o novo ano. E ele, compartilhando aquela felicidade no seu rosto, sentia-se flutuar por entre a multidão, alheio a tudo e todos, transportado lentamente num pesado búfalo que parecia levitar...
(Continuação de http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/417767.html)
(Anotações e bibliografia em http://blogdaruanove.blogs.sapo.pt/345179.html)
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